segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Reencantamentos

Pensava em meta-dialogismo. Nem sei se isso existe e sequer vou procurar. Virginalmente, compreendo o mundo de uma forma mais encantada. Tudo está interligado e encantado nesta vida. Uma conversa de quase 7h ininterruptas. Abri o encarte dos discos que até então só ouvia e li as letras. Tive insônia. Depois, comecei a colocar palavras do santome nas letras: couberam lindamente. Já intuía que uma parte de minha tese estava pronta: a epígrafe. Agora, tenho certeza. Encantada. Quinta, insônia. Reli um conto do Tutaméia. Encontrei as letras das músicas e o santome ali, em laços! Que encanto! Insônia. Sexta, continuei o estudo de um livro difícil, teórico, desestabilizador. Excelente. A cada página, precisei buscar instrumentos externos para me alimentar do texto. Dormi algumas horas, sonhei com a minha prima. Insônia. Sábado é dia de sair. Domingo, mais leituras de JB e o monstro freudiano na minha mão: "Luto e melancolia". Aceitei o desafio. O tempo que penso ter dormido, estive com a minha prima ao pé de mim. Levantei, exausta da noite encantada. Coloquei o disco mais tocado em minha casa nas últimas 4 semanas. Fiquei feliz e tomei café. Próximas leituras: "Totem e tabu" e "O arquipélago da insônia" (ilhas e insônia se juntaram no final deste dia, conexão astral, mundo encantado). Termino o dia com muito sono, já sei que terei insônia, ouço a sensacional "Irreconhecível". Penso no Chico Buarque, que não quebra não porque é macio. Sinto-me mole. Sucumbo ao encantamento. Percebo o mundo meio em suspensão. Travessia. Não lamento o assassinato de Diocleciano. Salto do materialismo enlouquecido para uma certa brecha de mim macia, que deixa entrar um divino, inominável. E amo profundamente o equívoco dos meus encontros. Travessia outra vez. Literatura é a força que me move. Sigo macia e com pés levemente fora do chão, contudo, apesar da insônia, divinalmente maravilhosa e leve. Tudo, tudo, tudo devido ao equívoco passado de ter lido o "Grande sertão". Tudo tudo tudo devido ao equívoco próximo de não ter me calado por alguns minutos. Tudo por causa do equívoco de topar na beira da estrada - ou da terceira margem do rio - com músicas encantadas, divinas. Que maravilha é o princípio da existência!

Acabo de escrever esse texto e recebo outro, de Judith Butler, a quem aludi aqui como inquietante e desconcertante. Não vou dar nós na vida. Coincidência?

sábado, 7 de novembro de 2015

Você

Gostaria de falar de você. Mas não de você, especificamente, mas do você geral que anda aí pela boca do povo (não vou falar do você linguístico da nossa língua brasileira). Passeando, ontem, pelos jornais marginais, ouvi falas do Jean Wyllys e li os comentários sobre elas. Sempre tem um sujeito, que pode ser você, que faz o seguinte comentário (porque você, claro, não ouviu ou leu as falas até o fim, normal na internet, em que recebemos uma matéria por segundo dos, maniqueístas esquerdistas e direitistas, pois que é assim que andamos nós, e não apenas você, a analisar o país), retomo, o seguinte comentário: "chupa, votou na Dilma agora aguenta. Chupa, foi você que colocou o Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados, agora aguenta". Bem, você também fala coisas do tipo: "Chupa, votou na Dilma, agora se ferra." A triste falta de análise crítica que rola pelas redes, provavelmente (ou com certeza), influenciou as eleições de 2014 e influencia, hoje, comentários perigosos e de incitação ao ódio (porque o Jean Wyllys é homossexual e ex-BBB, logo, só fala merda - é o que você, que não relativiza a direita, diz). Já me apontaram o dedo e disseram: você votou na Dilma, uma mulher tão inteligente, mas maluca, né? E esse você agora sou eu. Não vou me defender por ter garantida a minha liberdade de voto. As acusações é que são indefensáveis. Mas há um fator interessante aí: você (eu) não votou na Dilma Rousseff porque eu não tenho domicílio eleitoral no Rio, mas fiz campanha para ela ganhar e sou solidária a ela pelas ofensas e crimes cometidos contra a pessoa-você Dilma, não à figura pública ela-Dilma. Eu, agora eu mesmo, repudio aqueles panelaços desrespeitosos, sexistas, fruto de uma ignorância cívica sem precedentes. Bem. Você anônimo deve saber que se falar para um outro você que não tem pão para alimentar a família que se ele "ungir" um caroço de feijão, "abençoar" um vidrinho de azeite, fizer a corrente da prosperidade (prosperidade de que só desfrutam alguns pastores neopentecostais) ele vai levar uma vida melhor, o cara vai ungir o caroço e beber o azeite. Mas você, Sudeste e Sul brasileiros, centros econômicos deste país, você finge que não sabe que lá, um pouco mais acima do mapa do Brasil, há pessoas que vivem em condições desumanas, há escravos (ohhhhhh, você enlouqueceu, Naduska), há falta de água e luz e a bolsa família tirou essa gente da linha abaixo da miséria e deu a elas um pouco mais de otimismo e de dignidade, que você, de uma classe um pouquinho melhor, que não conta moedas pro pão, chama de assistencialismo de campanha. Não estou defendendo o PT. Que isso fique claro para você. Foram os "você" anônimos também, mas por outras razões diferentes de você, covarde, que destila racismo, xenofobia, homofobia, misoginia, orgulho hétero, filho de estupro, contra a pílula do dia seguinte, desrespeita os direitos e os corpos das mulheres, massacram a comunidade LGBT; você que fuma seu baseado em casa deboas e cheira seu pó - pobre não usa cocaína porque é droga cara - e faz campanha contra a legalização e controle de drogas ilícitas, foram os primeiros "você", os "paraíbas", que não nos deixaram cair em um buraco ainda maior, porque embora você os chame todos de "paraíbas", porque você não conhece o Nordeste, porque você não respeita os moradores do Acre, enfim enfim enfim... você, anônimo dos crimes cibernéticos (igualmente anônimos) incita, diariamente, desde a sua torre de marfim, o ódio ao você-pária, você-margem que, se não existisse, sua rua seria um nojo, não haveria quem dirigisse o seu carro por salários desonestos, não haveria quem te servisse nos restaurantes por salários que não pagam o prato que você come. Você que bate em mulher e justifica - e pior, nada acontece com você -, você que quer desmantelar uma conquista de anos de desfrutarmos de estado laico - porque você é conservador, bate em mulher, mas é ela que procria, porque gay não procria, adota crianças abandonadas (certamente crianças que também vão ser gays, porque os pais são gays); você que acredita no determinismo do século XIX (todos os moradores de favelas são bandidos) ou você que flerta com a pureza fascista (bandido bom é bandido morto), você que se dá o poder de amarrar um ser humano negro, nu, em um poste porque ele assaltou um cara como você, que tem mais, muito mais que ele, você que acredita que "é isso mesmo, tem que amarrar bandido". Você não sabe o que está falando. No final de um livro polêmico de José Saramago, escritor português morto em 2010, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, Jesus, já crucificado, diz pro além: Ele não sabe o que faz. Ele, com maiúscula, diz respeito à divindade construída desde do advento do cristianismo na nossa sociedade, pretexto, entre outras coisas mais, para ganhar (ou, se usarmos o conceito mais exato, roubar) uma grana explorando os animais africanos (pessoas negras) e os animais americanos (índios). Você está ajudando o Brasil a voltar no tempo, antes mesmo de o Brasil ser Estado (sabia que Estado é um conceito construído pelo poder?) Ou você acha que Cabral já "descobriu" o Brasil Estado-Nação ocidentalmente direcionado (um parêntese para lembrar que os mesmos ocidentais partiram a África como um bolo e agora não dão conta de discutir os problemas de lá e, que bom, que os deixem! As guerras na África são, majoritariamente, fruto do imperialismo ocidental e sua inerente crueldade. Basta observarmos a Europa fechando a cadeados as fronteiras para pessoas que buscam modos de viver com dignidade em um espaço de paz (?)) Ops. Como já postou um amigo meu, falta História na biblioteca de você, mas não pra enfeitar o seu lado pseudointelectual de um cara cheio de livros. Falta estudar História, dar aos menos favorecidos a chance de conhecer a História. Se você, da torre de marfim, tem o que tem hoje e acha pouco (casa, comida, escola pros filhos, empregada doméstica, motorista e sei que lá), você deveria parar de chamar, pejorativamente os nordestinos (salve este povo lindo) de paraíbas e olhar para você, para o seu umbigo. Aproveita: chupa o seu umbigo. Este post não é um prontofalei. É só pra dizer que você não é a nação, a esquerda não é a Dilma, a direita não é o Aécio, o governo é uma teia de poderes dos quais sequer temos ideia sobre como funciona.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Benfeitoria (Crowdfunding)

Só pra ir dormir tranquila: há benfeitoria para doutorandos? Se houver, garanto, na dedicatória da minha tese, nomeação de e homenagem a todos que contribuírem para uma pessoa, que estuda a arte da palavra, conseguir chegar ao fim de uma jornada de estudos que dura 4 anos práticos e muito mais de 50 anos de luta, estudos, ativismo, compromisso com uma verdade não imposta pelo status quo, laços de gratidão com um país africano de língua oficial portuguesa que estudo (vai no Google e procura São Tomé e Príncipe), além de uma roda de choro, socopé e uma apresentação da Tragédia do Marquês de Mântua, o Txiloli, expressão máxima da cultura da ilha de São Tomé e o Alto de Floripes, da ilha do Príncipe. Revelarei que a língua santome, uma das outras quatro línguas faladas nas ilhas de aproximadamente 180 mil habitantes, possui um dicionário livre: Livlu-nglandji santome-putugêji, organizado pelos pesquisadores Gabriel Araújo (USP) e Tjerk Hagemeijer (UL). Também oferecerei chocolates (os melhores do mundo) produzidos na ilha de São Tomé e café puro e saboroso, plantado mão a mão por homens batalhadores da ilha do Príncipe, muitos deles filhos de escravos (chamados eufemicamente "contratados") "levados" pela mão do colonialismo português, retirados de sua pátria Cabo Verde, com promessas de retorno, mas que jamais voltaram a pisar em sua casa-país. Está valendo! Crowdfunding para doutorandos que ralam na vida pra não ter um trabalho mofando nas prateleiras da Academia, esta, em tese, produtora de fazeres para o mundo, criadora do nome "pesquisador" para os doutorandos, até bem intencionados, falarem de assuntos a que o povo, o povão mesmo da pátria educadora, nunca terá acesso enquanto tivermos uma universidade que não dialoga com a escola e não se mobiliza para chutar o pau da barraca e chegar lá perto de quem precisa crescer. Vamos falar de Said e da releitura brilhante que ele faz de Gramsci do intelectual orgânico. Está lançado o desafio. Crowdfunding para pesquisadores orgânicos e preocupados com o futuro do país.