Gostaria de falar de você. Mas não de você, especificamente, mas do você
geral que anda aí pela boca do povo (não vou falar do você linguístico
da nossa língua brasileira). Passeando, ontem, pelos jornais marginais,
ouvi falas do
Jean Wyllys
e li os comentários sobre elas. Sempre tem um sujeito, que pode ser
você, que faz o seguinte comentário (porque você, claro, não ouviu ou
leu as falas até o fim, normal na internet, em que recebemos uma matéria
por segundo dos, maniqueístas esquerdistas e direitistas, pois que é
assim que andamos nós, e não apenas você, a analisar o país), retomo, o
seguinte comentário: "chupa, votou na Dilma agora aguenta. Chupa, foi
você que colocou o Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados, agora
aguenta". Bem, você também fala coisas do tipo: "Chupa, votou na Dilma,
agora se ferra." A triste falta de análise crítica que rola pelas redes,
provavelmente (ou com certeza), influenciou as eleições de 2014 e
influencia, hoje, comentários perigosos e de incitação ao ódio (porque o
Jean Wyllys é homossexual e ex-BBB, logo, só fala merda - é o que você,
que não relativiza a direita, diz). Já me apontaram o dedo e disseram:
você votou na Dilma, uma mulher tão inteligente, mas maluca, né? E esse
você agora sou eu. Não vou me defender por ter garantida a minha
liberdade de voto. As acusações é que são indefensáveis. Mas há um fator
interessante aí: você (eu) não votou na
Dilma Rousseff
porque eu não tenho domicílio eleitoral no Rio, mas fiz campanha para
ela ganhar e sou solidária a ela pelas ofensas e crimes cometidos contra
a pessoa-você Dilma, não à figura pública ela-Dilma. Eu, agora eu
mesmo, repudio aqueles panelaços desrespeitosos, sexistas, fruto de uma
ignorância cívica sem precedentes. Bem. Você anônimo deve saber que se
falar para um outro você que não tem pão para alimentar a família que se
ele "ungir" um caroço de feijão, "abençoar" um vidrinho de azeite,
fizer a corrente da prosperidade (prosperidade de que só desfrutam
alguns pastores neopentecostais) ele vai levar uma vida melhor, o cara
vai ungir o caroço e beber o azeite. Mas você, Sudeste e Sul
brasileiros, centros econômicos deste país, você finge que não sabe que
lá, um pouco mais acima do mapa do Brasil, há pessoas que vivem em
condições desumanas, há escravos (ohhhhhh, você enlouqueceu, Naduska),
há falta de água e luz e a bolsa família tirou essa gente da linha
abaixo da miséria e deu a elas um pouco mais de otimismo e de dignidade,
que você, de uma classe um pouquinho melhor, que não conta moedas pro
pão, chama de assistencialismo de campanha. Não estou defendendo o PT.
Que isso fique claro para você. Foram os "você" anônimos também, mas por
outras razões diferentes de você, covarde, que destila racismo,
xenofobia, homofobia, misoginia, orgulho hétero, filho de estupro,
contra a pílula do dia seguinte, desrespeita os direitos e os corpos das
mulheres, massacram a comunidade LGBT; você que fuma seu baseado em
casa
deboas e cheira seu pó - pobre não usa cocaína porque é droga cara -
e faz campanha contra a legalização e controle de drogas ilícitas,
foram os primeiros "você", os "paraíbas", que não nos deixaram cair em
um buraco ainda maior, porque embora você os chame todos de "paraíbas",
porque você não conhece o Nordeste, porque você não respeita os
moradores do Acre, enfim enfim enfim... você, anônimo dos crimes
cibernéticos (igualmente anônimos) incita, diariamente, desde a sua
torre de marfim, o ódio ao você-pária, você-margem que, se não
existisse, sua rua seria um nojo, não haveria quem dirigisse o seu carro
por salários desonestos, não haveria quem te servisse nos restaurantes
por salários que não pagam o prato que você come. Você que bate em
mulher e justifica - e pior, nada acontece com você -, você que quer
desmantelar uma conquista de anos de desfrutarmos de estado laico -
porque você é conservador, bate em mulher, mas é ela que procria, porque
gay não procria, adota crianças abandonadas (certamente crianças que
também vão ser gays, porque os pais são gays); você que acredita no
determinismo do século XIX (todos os moradores de favelas são bandidos)
ou você que flerta com a pureza fascista (bandido bom é bandido morto),
você que se dá o poder de amarrar um ser humano negro, nu, em um poste
porque ele assaltou um cara como você, que tem mais, muito mais que ele,
você que acredita que "é isso mesmo, tem que amarrar bandido". Você não
sabe o que está falando. No final de um livro polêmico de José
Saramago, escritor português morto em 2010, ganhador do Prêmio Nobel de
Literatura, Jesus, já crucificado, diz pro além: Ele não sabe o que faz.
Ele, com maiúscula, diz respeito à divindade construída desde do
advento do cristianismo na nossa sociedade, pretexto, entre outras
coisas mais, para ganhar (ou, se usarmos o conceito mais exato, roubar)
uma grana explorando os animais africanos (pessoas negras) e os animais
americanos (índios). Você está ajudando o Brasil a voltar no tempo,
antes mesmo de o Brasil ser Estado (sabia que Estado é um conceito
construído pelo poder?) Ou você acha que Cabral já "descobriu" o Brasil
Estado-Nação ocidentalmente direcionado (um parêntese para lembrar que
os mesmos ocidentais partiram a África como um bolo e agora não dão
conta de discutir os problemas de lá e, que bom, que os deixem! As
guerras na África são, majoritariamente, fruto do imperialismo ocidental
e sua inerente crueldade. Basta observarmos a Europa fechando a
cadeados as fronteiras para pessoas que buscam modos de viver com
dignidade em um espaço de paz (?)) Ops. Como já postou um amigo meu,
falta História na biblioteca de você, mas não pra enfeitar o seu lado
pseudointelectual de um cara cheio de livros. Falta estudar História,
dar aos menos favorecidos a chance de conhecer a História. Se você, da
torre de marfim, tem o que tem hoje e acha pouco (casa, comida, escola
pros filhos, empregada doméstica, motorista e sei que lá), você deveria
parar de chamar, pejorativamente os nordestinos (salve este povo lindo)
de paraíbas e olhar para você, para o seu umbigo. Aproveita: chupa o seu
umbigo. Este post não é um prontofalei. É só pra dizer que você não é a
nação, a esquerda não é a Dilma, a direita não é o Aécio, o governo é
uma teia de poderes dos quais sequer temos ideia sobre como funciona.