domingo, 31 de julho de 2011

Atualizar

A ideia de alimentar um blog acerca das manifestações artísticas em ST&P e das experiências (literárias, profissionais) pelas bandas de lá é absurda diante da imensa distância entre mim, hoje no Brasil, e aquela realidade (distância polissêmica, esteja claro!). Posso adiantar que, enquanto estive lá - até o dia 14 de julho - : Albertino Bragança lançou o "Aurélia de vento"; Aíto Bonfim, "A lágrima áurea do mal"; Pinto da Costa (o ex e quase atual presidente), "Terra firme".

domingo, 10 de julho de 2011

Uma nota sobre o ensino


Mais um ano letivo termina e mais uma vez (em quase 11 anos de sala de aula, paro para fazer o balanço do meu trabalho. Coloco-me algumas perguntas básicas, tais como: fui coerente durante o processo em sala de aula?; dei instrumentos suficientes para os meus alunos terem autonomia e continuarem o seu percurso intelectual?; consegui mobilizar pelo menos um dos meus alunos no que diz respeito às questões ligadas à literatura e à participação social?; me fiz entender?
Para ST&P, criei novas perguntas a fim de fazer o meu balanço: consegui fazer com que pelo menos um dos meus vinte e cinco alunos se interessasse pela literatura são-tomense?; consegui instigá-los a ler um único livro ou um único conto, ou crônica, ou poesia?; consegui, com minhas atitudes e falas, quebrar  barreiras sociais ?
A verdade é que não tenho as respostas. E penso mesmo que não as terei tão cedo; talvez, quando já estiver de malas prontas para o Brasil e de missão acabada. Talvez.
Alguns problemas ligados à educação têm me preocupado sobremaneira desde que comecei a trabalhar numa sala de aula são-tomense. O primeiro (e primeiro com o que me deparei logo que cheguei) está ligado ao programa do curso de Letras. O segundo, ao número de aulas que (não) contemplam a cultura e a realidade de ST&P; o terceiro, a questão da língua. E por último, afetado gravemente pelos anteriores, a questão da literatura. Literatura, repito.
No que diz respeito ao primeiro ponto, precisei fazer uma grande adequação dos programas que deveria cumprir nas aulas de literaturas brasileira, africana e portuguesa. Para além de os alunos já terem tido o contato com a literatura portuguesa, em uma disciplina “panorâmica”, a grade curricular dessa disciplina contemplava assuntos e leituras completamente díspares em relação à realidade social que se tem aqui. Uma perspectiva biográfica da lírica camoniana, por exemplo. Não estou dizendo com isso que não devamos ler Camões (nós, os brasileiros, porque Camões é português, fala de coisas distantes da nossa realidade social...), mas sim que, se queremos que nossos alunos leiam Camões, devemos, antes, investigar em que condições podemos fazê-lo.
A primeira coisa a contemplar, neste caso, é a condição dos nossos alunos de adquirirem livros (e a nossa de fornecermos fotocópias a todos, em geral, mais de vinte por turma). Antes de saber se eles podem adquirir livros, é preciso saber se há oferta aqui no país. Para vinte e cinco alunos, temos uma cópia d’Os Lusíadas, um exemplar da lírica camoniana... e não mais que isso na biblioteca subsidiada pelo Instituto Camões, no ISP. Passados os problemas materiais, nós, professores, temos de pensar em como fazer para os nossos alunos, deste universo aqui, entrarem no universo de Camões. Como fazer? O que lhes foi falado acerca de Camões nos anos anteriores aos do ISP? As poesias lhes foram apresentadas de maneira a aproximá-los não só do universo camoniano, mas também do mundo que é a poesia como gênero literário? Contamos aos nossos alunos que Camões narra as incríveis viagens do povo português para expandir seu império e a fé cristã, e que ST&P (desabitado antes dos portugueses) faz parte daquele império conquistado no fim do século XV e início do século XVI, faz parte das mentes incríveis que meteram barcos ao mar e foram à procura de novas terras, novos mercados, mais mão-de-obra, mais dinheiro? Inserimos esta nação na poesia de Camões? Cruzamos experiências? Assinalamos a importância do poeta para a “fundação” de nossa língua comum, o português? O que sei é que a maior parte dos alunos chega em sala de aula desmotivada para a leitura, de qualquer gênero, de qualquer “tamanho”, de qualquer autor.
O segundo e o terceiro problemas, que dizem respeito ao número de aulas que (não) contemplam a cultura e a realidade de ST&P e à língua andam de mãos atadas. Diz-se que há uma disciplina de literatura são-tomense, mas quando interpelo meus alunos, fico impressionada com o que eles (não sabem). Serão eles culpados pela falta de informação? Será uma questão da índole do povo, que não é muito dado a leituras, ou a muita concentração? Trata-se de um mistério para mim. Como ensinar a LP padrão européia a um povo que visivelmente já imprimiu os seus jeitos à língua? Como ignorar a presença e as marcas do forro santomé no português que se usa em ST&P? Como falar de fonética e fonologia do português europeu? Ou do brasileiro? Como lidar com a diferença de maneira que saiamos ganhando com ela? E, vou mais adiante: como fazer com que nossos alunos lidem bem com a diferença sem preconceitos (com as diferenças deles mesmos em relação ao Brasil, ou a Portugal, ou a Angola...). Até quando a diferença vai ser sinônimo de preconceito e de deturpação de valores caros para a construção da cidadania e da nação? O problema da cultura se resolve, minimamente, criando um programa que contemple a história de ST&P. O problema da realidade é outro, e mais sério, mas sobre tal assunto não me sinto autorizada e nem tampouco à vontade a/para dissertar. O que sei é que não se pode simplesmente assimilar padrões incompatíveis com a realidade que se vive aqui. Há que se inserir ST&P no mapa-múndi. E mostrar o mapa-múndi. Saber onde estamos é saber também as nossas coordenadas culturais, sociais, econômicas. É preciso mobilizar os sujeitos, ou os atores da cena educacional e cultural de ST&P, para remodelar os programas que são executados em sala de aula. Não seremos nós, os estrangeiros, a fazê-lo da melhor maneira. Nós vimos com olhares diferentes, com experiências diferentes. É verdade que, como já disse, a diferença é uma mais-valia. Mas que seria mais proveitoso um educador nacional investigar, trabalhar e produzir programas exequíveis neste país (junto com o nosso olhar estrangeiro, por que não?), sim, estou certa de que seria. O Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde... todos já temos nos preocupado com isso.
Quanto à literatura: o que posso dizer é que enquanto não se tiver espelho para se encarar as coisas exatamente como elas são, a literatura continuará a ser relegada ao último plano nas vidas dos acadêmicos. É necessário estar ciente dos textos que se produz, admitir erros, ter senso crítico para que não se percam as referências verdadeiramente artísticas devido à elevada auto-estima dos que detêm o poder da palavra. O ato de escrever demanda compromisso e responsabilidade. Mas, antes de se escrever qualquer linha, o compromisso e a responsabilidade devem estar voltados inteiramente para a educação, para os educandos, pois é a partir deles que se pode (poderá) mensurar a “qualidade” das vozes que se levantam (se levantarão) num país pequenino como ST&P. Não creio que possa ser diferente. Tenho contato direto com os acadêmicos, e muitas vezes paro para ouvi-los falar de suas insatisfações, de suas vaidades, suas crenças e valores. É com eles que aprendo a lidar com o povo daqui. É com eles que aprendo histórias dum passado remoto, e histórias do presente. É deles e por eles que falo agora, mesmo sem ter a certeza de que iriam contemplar a verdadeira medida do que digo.